sábado, 27 de agosto de 2011

Verdade seja escrita

É difícil, hoje em dia, escrever uma história original que ultrapasse as narrativas dos feitos do autor. Contar o que se fez parece ser o combustível da atualidade; a autora, que vos fala, é um exemplo vivo dessa gasolina.

Viaja e narra.

Ainda mais difícil é não nos descrevermos belos, espertos e distintos da média, como se estivéssemos naturalmente condenados ao pódio.

Não é por acaso que nos identificamos com os super-heróis e com as celebridades. A propósito, a palavra identificar significa “fazer o mesmo” (idem, igual; facere, fazer). Consequentemente, desacordados, os enredos triunfantes emergem.

Numa tentativa de cutucar a imaginação, pelo menos a minha, e, se for possível, a sua também, a proposta dos próximos posts será ensaiar um movimento transverso, apresentando outras histórias.

O texto ainda não foi escrito e já promete algo; tendo sido dado, portanto, o primeiro passo “transverso”, para que dê errado. Porém, nesse caso, ou nesse caos, será melhor do que fazer o mesmo, só para que a gente se identifique.

Quem não erra, não faz algo novo; o que não quer dizer que vá ser inovador.

Até lá; ou melhor, até aqui.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Por que viajar é tão bom?

Porque cada pedacinho do dia é apreciado, desde o café da manhã até o cansaço noturno, consequência das andanças percorridas;

Porque todas as regras que aprendemos não se aplicam: não converse nem aceite nada de estranhos, não confie em qualquer um, nada de ficar com a cabeça no mundo da lua;

Porque a nossa capacidade de julgamento revela-se inútil; de modo que podemos ver as coisas, sem impor conceitos nem categorias;

Porque os nossos sentidos brotam à flor da pele;

Porque o nosso passado não tem qualquer importância, permitindo-nos sentir parte do todo, que é a humanidade;

Porque quando se viaja, o futuro não importa; e

Por tudo isso, é possível viver o presente como presente.

Agora eu me pergunto: por que não fazemos isso quando estamos em casa?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Quem tem medo de cream cheese?

Você já venceu um medo? Não sei se o blog transmite uma aparência de que sou destemida e ousada. Em realidade, não é o caso. Cada frase, cada noite de tango, trabalhos, ou viagens têm os seus atropelos.

(Não vou mais mencionar a China, prometo).

Estou falando de um medo, ou quase um trauma. Isso soa familiar?

Em 2003, na minha primeira tentativa de esquiar, Murphy rondava a área, e eu tive um acidente; para piorar a situação eu não havia feito seguro de saúde. Em contrapartida, os anjos compareceram e o resultado foi apenas um corte de cinco pontos nas costas e uma conta de 800 dólares, que meus amigos me ajudaram a pagar.

Depois do ocorrido até o ano de 2009, a hipótese de esquiar inexistia nas minhas considerações.

No entanto, a vida é cheia de artifícios e, quando propõe um desafio, não o faz por meios próprios, ela usa o seu ser humano favorito para fazê-lo; pelo menos, foi assim comigo.

“Vamos esquiar, amor?”

Ao ouvir isso, aquele medo vestiu uma sainha justa; ficou num pé e noutro, querendo anunciar aos quatro cantos a periculosidade do esporte. Naquele momento, pensei até em mentir, dizendo que não gostava de esquiar.

“Mas você conseguiria resistir o olhar lânguido do seu ser humano favorito, propondo uma viagem à montanha, com o fim claro de ajudá-la a vencer esse medo?”

Eu não consegui; embora confesse que de 2009 até a semana passada, cada vez que eu cedia o pedido, eu me perguntava: “por que cedi?”

“Porque sim.”

“Agora me diga você, isso é resposta que convença o medo a partir?”

Tentei esquiar uma vez; não houve diversão; não dava nem pra enganar; a vida não desiste; tentei outra vez, e outra e outras; até que apertou o cerco... mais uma oportunidade surgiu no caminho.

“Christchurch, na Nova Zelândia, onde no dia 26 de fevereiro de 2011 houve o terremoto... é pra lá que nós vamos, amor. Você não gosta de viajar?”

“Ô. Só não precisava desse introito.”

E foi naquela cidade onde é possível sentir um misto de fascínio e temor ao ver, a cada quarterão, o efeito do terremoto e a capacidade das pessoas de recomeçarem, que aquele medo que controlava o corpo, impedindo o deleite da atividade física, cedeu espaço para um prazer infantil e descontrolado de esquiar, fazendo curvinhas, caindo e rindo muito.

Neve agora pra mim é cream cheese.

E quem tem medo de cream cheese?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Dog meat

Algumas pessoas me perguntaram se eu comi carne de cachorro, na China. E quase como uma consequência natural do assunto, depois dessa pergunta, vem uma série de brincadeiras a respeito dos hábitos alimentares chineses, fazendo parecer que, para nós do ocidente, essa comida varia entre um “absurdo” ou uma “nova experiência”.

Num passado não muito distante, mais de 40 milhões de chineses morreram de fome; comer carne ou qualquer coisa era um privilégio, ou uma questão de vida ou morte.

Possivelmente, por essa e por outras passagens históricas, o ato de comer seja tão reverenciado na China; e talvez, por isso, uma das saudações mais comuns seja:

“você já comeu hoje?”

Quem pergunta não quer saber realmente se você comeu, a pergunta significa “tudo bem com você?”

Um estrangeiro não conseguirá localizar, com facilidade, um restaurante onde se pode demandar cachorro, o que não significa que não haja.

Em geral, só se come carne de cachorro entre amigos, em restaurantes antigos das ruelas remanescentes. A propósito, amigos próximos chamam um ao outro pelo nome seguido da expressão “gou ròu” (carne de cachorro em mandarim); isso significa que são tão amigos que comem dog meat juntos.

No passado, comer essa carne foi uma necessidade, com o tempo passou a ser tradição. E assim o chinês, como qualquer outro ser humano, elegeu aqueles animais que podem ser mortos para saciarem o desejo dos seus comparsas.

Se for inaceitável comer carne de cachorro, também o é comer carne de qualquer animal.

Food for thought.


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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

China: dicas de viagem

A China é o terceiro maior país do mundo, estando atrás do Canadá (2) e da Rússia (1). De forma que a primeira dica, para quem quer visitar a China, é: localize no mapa do país os lugares que você queira conhecer, observando as distâncias entre as cidades que você escolheu.


Feito isso e estabelecida a data da viagem, tire o visto.


A China, assim como o Brasil, tem inúmeros lugares para se visitar; difícil é eleger dentre tantos.


Se você não definiu os lugares a serem visitados, só sabe que quer ir, então, seguem algumas sugestões de pontos turísticos:


Na capital, Pequim (Beijing, em inglês, pois você verá o nome em inglês muito mais que em Português, quando estiver viajando), você pode visitar:


- a grande muralha (the great wall),

- a cidade proibida (forbidden city), que era assim denominada porque no passado era proibida a entrada para maioria das pessoas;
- a praça da paz celestial (tiananmen square), fica em frente à cidade proibida,
- o palácio de verão (summer palace),
- templo do paraíso (temple of heaven), onde você pode ver os chineses praticando leituras, danças, kung fu, tai chi, dentre outras atividades, que resistem a onda da modernização que invadiu a China.
- e os shows de acrobacia e ópera. Os hoteis e hostels têm informações sobre shows e ingressos.

A esses pontos turísticos, com exceção da grande muralha, você poderá ir de metrô (em geral cheio, porém conveniente para locomoção) ou de táxi (tenha sempre a mão o nome em chinês do seu destino, e se a distância for próxima demais, o taxista pode rejeitar). No caso da grande muralha, você terá que se juntar a um tour ou pagar um motorista privado.

Dica importante: evite ir ao ponto da muralha mais próximo, chamado Bada ling, pois é o mais lotado; é prefirível pagar um motorista privado (U$65) e ir mais longe (Mutianyu fica a uma hora e meia de Pequim e você pode descer a muralha de tobogã, se quiser; muito boa experiência e para todas as idades).

Além da capital, vale visitar:
Se você tiver tempo de viajar pelo país, seguem outras sugestões de lugares:
- Xian: cidade onde você pode visitar o exército, contendo aproximadamente 6000 guerreiros feitos de terra-cota. De Pequim/Beijing à Xian, você pode ir de trem (10 horas de viagem), ou de avião (2 e 1/2 horas). Os preços dos transportes variam entre 100 a 150 dólares, tanto de trem quanto de avião. Se você reservar com antecedência, pode conseguir melhor preço. Durante o verão chinês (de junho a agosto), há que se comprar os bilhetes de trens com antecedência (de duas a três semanas). O aeroporto de Xian fica longe da cidade, porém há ônibus, que levam os passageiros até a cidade por um preço bem mais barato do que táxi. Para se chegar ao ponto turístico dos guerreiros de terra cota há que pagar um tour. Informe-se antes e pague um preço justo (U$100 por pessoa, para um tour de dia inteiro com jantar).

- Guilin: cidade onde você pode fazer um passeio de barco para conhecer as montanhas da região, inclusive uma que está na nota de 20 yuan (moeda chinesa); e também pode conhecer as tribos que vivem ainda de modo tradicional, visitar as plantações de arroz nas montanhas (tem que ter disposição física para subir as escadarias). De Xian à Guilin, pode-se ir de trem (15 horas) ou avião (quase três horas).

- Chengdu: cidade onde ainda restam casas de chás tradicionais, nos parques de bambus gratuitos, e arte a céu aberto; de lá você também pode pegar um ônibus ou um voo para Jiu Zhai Gou (parque ecológico). De Beijing à Chengdu, também pode-se ir de trem (18 horas) ou voos (3 horas), você escolhe.

- Hangzhou: a cidade tem parques, casas de chás, lagos. Poderia passar horas descrevendo; é linda. Transporte: idem ao anterior.

- Shanghai (Xangai) é grande, é cheia de shoppings, arranha-céus, e não é o meu tipo de cidade. O melhor foi pegar o trem-bala (5 horas) de Shanghai pra Pequim. Se for comprar bilhete de trem, leve o passaporte (esse trecho não é tão lotado, pode-se comprar com três dias de antecedência, em geral, e custa 85 dólares). De toda forma, seguem os pontos turísticos da cidade:
- o museu de Xangai;
- Oriental Pearl TV Tower (Torre de TV) de onde se tem a vista da dimensão da cidade;
- Yu Yuan garden;
- Xin Tian Di, área turística com restaurantes; além de inúmeras outras áreas, como Bund.
Em todos essas cidades, você pode alugar uma bicicleta e tirar uma onda, porém preste atenção no trânsito; tive a sensação de que na China ninguém tira carteira de motorista.

Chinês (Mandarim) ou inglês?
Tenha sempre à mão o endereço em chinês do seu hotel/hostel e do seu destino; não é tão comum encontrar pessoas que falem inglês na rua; ao passo que se você mostrar o endereço ou o nome do lugar em chinês, é possível que a pessoa consiga indicar o caminho.

Segurança:
A China é um lugar seguro, até pra quem viaja só, apesar de que na China, você nunca está sozinha(o); não se espante com a quantidade de gente, seja nas estações de metrô, de trens, nos aeroportos, ou nas ruas. A população é de 1,4 bilhão...

Dinheiro:
1 dólar equivale a 6,5 yuan (moeda chinesa).

Papel higiênico:
Tenha sempre na bolsa (ou no bolso) papel higiênico ou guardanapo, pois nem sempre encontrará tal artefato no banheiro. Essa dica serve para qualquer país asiático.

Aeroportos:
Os aeroportos de Xangai (Shanghai) e Pequim (Beijing) têm metrô para o centro da cidade. Os aeroportos das outras cidades mencionadas oferecem ônibus direto para o centro, parando próximo dos hotéis. De modo que você não precisa pegar táxi.

Curiosidades:
Os chineses entregam e recebem dinheiro com as duas mãos; se você fizer o mesmo, possivelmente, vai receber um sorriso pela gentileza.
Se você tiver um amigo chinês, ele vai querer pagar tudo pra você. Se você levar um presente ao seu amigo, não se espante se ele/ela não abrir o presente. Os chineses só abrem o presente depois que você vai embora, pois se ele não gostar não terá que fingir.
Na china, bebe-se água quente, pois é a garantia de que foi fervida (e está limpa). Cuidado quando for beber água do bebedouro, nos aeroportos ou estações de trem; nem sempre a água fria está disponível.
Alguns chineses têm o hábito de deixar uma das unhas grandes. Ouvi dizer que é um símbolo de status, pois significa que a pessoa não faz trabalho pesado.


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domingo, 14 de agosto de 2011

O Mao da China


Em quase todas as cidades chinesas, há alguma referência ao Mao Zedong (ou Mao Tse-Tung), seja uma estátua, uma foto grande, a venda do livro vermelho com as citações do Mao, ou coisa que o valha.

Mao, também conhecido como “the chairman” do partido comunista, enganchou-se no poder em 1949 e só largou em 1976, quando faleceu. Durante esse período, governou autoritariamente.

Se por um lado ele proporcionou a reunificação da China, repeliu a invasão japonesa, dobrou o número de pessoas nas escolas, aboliu o desemprego, e proporcionou a universalização da moradia e da saúde, aumentando também a expectativa de vida; por outro, ele incentivou o crescimento populacional, que saiu de 500 milhões pra 900 milhões, e levou a morte, por fome, de 40 a 70 milhões de chineses, na tentativa de industrialização da China; além da ocorrência dos incontáveis assassinatos e suicídios, durante as campanhas contra os ricos e oponentes políticos; isso sem falar dos casos de tortura.

Em 1966, objetivando manter a China no looping comunista, e para evitar que elementos da burguesia influenciassem o socialismo, Mao lançou a revolução cultural. Nesse período, filósofos, jovens e supostos intelectuais foram “convidados” a trabalhar no campo; escolas foram fechadas, e com isso a cultura tradicional (milenar) foi saqueada; e inúmeras pessoas “desapareceram”; qualquer atividade que não pudesse ser controlada era eficazmente reprimida. Tai chi chuan foi uma das poucas que tinha o opoio do Mao.

Embora ele seja considerado, até hoje, pelas autoridades, um íncone da China, não foi possível obter uma opinião transparente a seu respeito.

“What do you think about Mao?" Fiz essa pergunta a vários jovens e todos me deram a mesma resposta.

“Mao, the chairman?

“Yes. Mao, the chairman."

“I don’t know him.”

“What do you mean?”

“When I was born he had already died.”


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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Negócio da China

Há uma crença generalizada de que um produto “made in China” tem qualidade suspeita.

Porém, a China produz tanto o original quanto as suas cópias e imitações. Se alguém adquiriu uma cópia (de má qualidade), comprou porque quis, pois o exportador chinês vendeu o que o importador solicitou.

A maioria das grifes famosas tem fábrica na China, assim como as fabricantes das cópias. O objetivo é simples e conhecido: produzir no lugar onde as pessoas não têm direito a férias e vender onde as pessoas passam as férias, pra comprar.

Outra ilusão é achar que na China os produtos originais de marcas são mais baratos que em outros lugares. Esse artigos, como em todo lugar, são vendidos a preço alto, para que a pessoa que compra se sinta privilegiada. Assim, os chineses, de boas condições, pagam tão caro quanto qualquer outro cidadão, bem como se sentem diferenciados ao usarem aquela sonhada grife.

Quanto à oferta dos "produtos genéricos", a abordagem é simples e discreta:

“Watch & bag.” Um vendedor anuncia, enquanto passeia ao seu lado, desenrolando um papel de propaganda, exibindo fotos dos produtos.

Quem quiser seguir, vai chegar a uma loja e receber um menu de A a Z. A letra A significa que o produto é o mais próximo do original e mais caro também, até chegar à mais barata e menos “original”.

Além das cópias (quase) perfeitas, há também as novas grifes que usam as marcas famosas como gancho. Por exemplo:

Existem a marca vaio e a vainon; existem as lojas Tommy Hilfiger e Tommy Weleay, com o mesmo layout; há também a Lacoste (com o jacaré com a cauda reta) e uma outra com o jacaré com a cauda pra cima, e por aí vai. Todas essas marcas têm lojas, nas ruas de Pequim (Beijing) e Shanghai.

Criatividade é o que não falta para o negócio da China; nem consumidor...

O negócio da China é o negócio do mundo.


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terça-feira, 9 de agosto de 2011

China através dos elementos

É relativamente fácil perceber a presença dos elementos terra, água, madeira e metal, do feng shui, nos palácios chineses, ou nas cidades antigas.

Feng shui, "que significa literalmente vento água, é um sistema chinês que visava melhorar a energia positiva do lugar, considerando as leis do paraíso e da terra, ligando o ser humano ao universo. Era usado nas construções e até na localização das tumbas" (fonte: wikipedia).

Esse sistema, bem como tudo que continha a palavra energia, foi reprimido pela revolução cultural de Mao Zedong (ou Mao Tse-tung).

(Sempre que leio sobre tal revolução, tenho que me controlar para não escrever Mao com L).

Apesar da repressão ao feng shui, durante a revolução do Mao, ultimamente vários arquitetos têm utilizado os seus elementos, nas novas construções.

No entanto, para se visualizar as nuances do conhecimento antigo de feng shui nas novas construções, há que ser um excelente observador, ou fazer uma aula sobre o assunto.

(Lastimo informar que tive que me enquadrar na segunda categoria).

Duas construções atuais que trazem os elementos nas suas feições são o estádio olímpico de Pequim (Beijing) que é feito de aço, representando o fogo, e, próximo a ele, o centro aquático nacional de Pequim, simbolizando o elemento água.

Há também construções que buscam afetar quem está em volta. Por exemplo: o banco da China e o HSBC, em Hong Kong. O primeiro tem um fomato de faca, para espantar o concorrente; o HSBC, por sua vez, posicionou um lava-vidros em forma de canhão no topo do prédio.

Enquanto nas construções antigas, o feng shui era usado para trazer harmonia ao ambiente; hoje pode ser usado para modalidades diversas.

Como se exibia no canal CCTV, China changes.


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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Modos e modas na China

Quando se viaja sem estar disposto a uma compreensão dos códigos de comportamento e atitudes locais, corre-se o risco de deixar de ser turista-viajante pra se tornar um mero juiz dos valores do lugar visitado. Por isso, a proposta aqui é ilustrar um pouco os costumes chineses observados, evitando simplesmente julgá-los com argumentos ou comentários irrefutáveis, tais como: "que absurdo!" ou "como pode?"

Pois bem.

Chegando à Beijing (ou Pequim, em português), o primeiro som que escuto é de uma escarrada, daquelas de dar vontade de olhar pra cara do autor. No entanto, ninguém olha; e quem sou eu para fazê-lo?

Na China, é costume cuspir (escarrar) em qualquer lugar ou circunstância. Um detalhe importante: em público, é um costume masculino; as mulheres só cospem no banheiro.

Como dito no post, “China – primeira impressão”, o ar das grandes cidades tem um tom nublado e uma umidade visível a olho nu. Por isso, em poucas semanas, compreendi pessoalmente o hábito de cuspir (escarrar, no banheiro) o muco provocado por aquela umidade.

Ao sair do aeroporto, de motorista e intérprete a tiracolo, que a minha amiga chinesa havia enviado para me buscar, foi possível observar a acrobacia chinesa, já no trânsito.

Centenas de motociclistas, tuk-tuks, ciclistas e motoristas interceptam uns aos outros, num balé periculoso.

Os sinais de trânsito parecem uma espécie de enfeites modernos. Dizem que em alguns lugares se respeitam as regras de trânsito. Por via das dúvidas, minha amiga e eu grudávamos nos pedestres à nossa frente e passo-a-passo, dançávamos nas avenidas, desviando dos que se locomoviam em parafernálias.

Nos transportes públicos e nas filas, que vença o mais rápido. Perguntando a uns amigos se poderíamos alertar o intruso de que havia fila, eles nos responderam que chamar atenção não é costume local, e que seria uma forma de “lose face”; “você é autoridade pra chamar atenção de alguém? Não. Então, fique na sua, ou aja como os demais.” Pois não deu outra. Estava numa fila do guichê no aeroporto, entre uma viagem e outra, quando duas jovens furaram a minha frente; eu respirei fundo e repeti o om do yoga, observando a naturalidade de todos em minha volta. Quando menos esperei o guichê do lado abriu, e eu, com a sutileza e rapidez de uma concubina da dinastia Ming, pulei a faixa que separava as filas e, delicadamente, entreguei o meu passaporte ao atendente, que me recebeu com um “han hao” (muito bem); aparentemente, os demais me olharam com reverência.

Nos restaurantes tradicionais e elegantes, há salas privadas para os clientes. Fomos conduzidas pela minha amiga chinesa a uma dessas salas, com ar condicionado. Lá fomos agraciadas com mais de vinte pratos deliciosos, numa mesa giratória, regados com uma bebida local, que continha 40% de álcool. Surpreendentemente, nessa sala fechada com ar condicionado, o marido da minha amiga e o amigo dele fumavam, sem qualquer cerimônia.

Nos dias seguintes, descobrimos que é comum fumar em qualquer lugar, inclusive no elevador. Vale enfatizar que nenhuma mulher chinesa foi vista fumando, no período que estive por lá. Outro detalhe referente ao assunto diz respeito à existência de lojas que só vendem cigarros; e esses variam assustadoramente de preços. Perguntando sobre o assunto a um amigo, ele respondeu que os cigarros mais caros (15 dólares) são feitos para os oficiais do partidão; o proletariado fuma os mais baratinhos, como em qualquer país capitalista; ou comunista, pelo visto. Ainda a respeito do partidão, os carros oficiais têm uma buzina diferente, que soa como "ron", que quer dizer: saiam da frente que os membros da comissão estão na passarela; e em sintonia, todos abriam caminho.

Em meio às nossas andanças, em praças, museus, palácios e jardins, observamos que os meninos, de até 2 anos de idade, usam um calção aberto no fundo, permitindo que as necessidades sejam realizadas sem o incômodo de ter que tirar a vestimenta. A partir daí, nos demos conta de que papel higiênico e fralda descartável devem ser artigos de luxo, pois era comum chegar ao banheiro e não ter papel. Cada usuária sacava da bolsa um papel para o seu próprio uso. Considerando a população de 1,4 bilhão de habitantes da China, evitar o desperdício de papel/fralda deve ser visto como uma atitude ecologicamente louvável.

Por falar em banheiro, o estilo de vaso é aquele cravado no piso. Ficava impressionada de ver a desenvoltura daquelas senhoras de se agacharem até o chão.

“Como vi?”

Viajando pelo interior, as cabines dos banheiros públicos não têm porta, e a paredinha, que separa as tais cabines, vai só até a cintura. De modo que não precisa ser curiosa pra ver a sua vizinha; é automático e natural.

No interior, os estrangeiros exercem um misto de fascínio e estranhamento. As crianças são as primeiras a se manifestarem; conversam “hello”, abraçam e brincam, como se a estrangeira fosse uma boneca. Os marmanjos tiram fotos discretamente. As adolescentes pedem permissão pra fotografarem.

“Do you mind to take a picture with me?”

Depois que essa cena se repetiu pela terceira vez, eu já estava me sentido como uma celebridade; e contei a uns amigos chineses, que me explicaram que o estrangeiro é visto como um alien, palavra essa usada para aqueles que não são chineses.

“Alien, eu?”

“Sim, alien; ou uma espécie de bibelô.”

Por isso, no interior, as crianças me seguiam e depois traziam as avós pra me conhecerem.

Por falar em avós, esses ainda praticam os hábitos antigos. Nos parques de bambus e jardins, que ainda são acessíveis gratuitamente, podemos ver aqueles senhores e senhoras praticando tai chi chuan, doin, qigong, danças, kung fu e lutas de espadas. Entre bambus, encontrei a China de hábitos milenares, escondida nos sábios e discretos mais velhos.

Quanto aos jovens, de acordo com a minha pesquisa boca miúda, a moda atual é comprar. E quando lhes perguntava sobre os hábitos acima, eles respondiam:

“Isso é coisa dos nossos avós.”

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

China - primeira impressão

Todas as cidades da China, que visitamos, guardam uma justaposição de cidade cimentada em franca expansão e uma outra cidade antiga, que exibe aquele cenário de filme chinês, feito de jardins em harmonia, como um oásis no meio dos incontáveis arranha-céus.

Ao que parece, há uma pressão para que tudo vire negócio; as antigas casas de chás estão sendo substituídas por restaurantes; para entrar na cidade antiga ou nos jardins, tem que se pagar, pois já viraram uma espécie de museu, que inclui, às vezes, os moradores. Nas ruas e lugares onde a franca expansão ainda não pôs os dedos, ainda se veem as pessoas com seus leques, nas calçadas, tomando chá, ou jogando cartas.

A China é um complexo humano, contendo 56 etnias e inúmeros dialetos. Todas as etnias parecem estar se adequando ao mercado; aquelas que viviam só da subsistência, hoje complementam a renda vendendo os produtos chineses, sejam manuais ou manufaturados; o importante é vender.

Beijing/Pequim, Shanghai/Xangai, Guilin, Jiaxing, Xian variam de tamanho, de grandes pra enormes; todas têm um ar nublado, cercada por câmeras, prédios gigantes e mercados. As cidades borbulham pressa e ansiedade, porém são seguras; tudo e todos parecem controlados, apesar do aparente caos urbano.

Talvez fosse necessário fazer um esclarecimento aqui. Inconscientemente, eu tinha uma visão única a respeito da China; por essa razão, apostei que, ao chegar, me depararia de imediato com o conhecimento oriental sobre falun dafa, feng shui, tai chi chuan, qigong, dentre outros.

Aparentemente, isso tudo ficou pra trás da revolução cultural introduzida por Mao Zedong (ou Mao Tse-tung), ou esteja escondida nos anseios atuais de consumo. Na China de hoje, a medida do ter é igual à medida do ter no ocidente.

"Queremos só um pouco mais."

A velocidade do dia-a-dia de Beijing coincide com a das cidades grandes do ocidente, como se todo mundo tivesse um compromisso inadiável. No entanto, talvez pelas longas esperas, no passado, pela vez para comprar comida, ou pelo fato de existirem no país 90 milhões de filhos únicos e uma concorrência desenfreada, a sociedade chinesa moderna aparente ser ainda mais individualista, pois não se respeitam os mais velhos nem as crianças quando o assunto é entrar num transporte público, tampouco se respeitam as filas, quando o objetivo é conseguir algo; como se pairasse no ar um medo de não conseguir. Por isso:

"Cada um por si."

Por outro lado, o povo é extremamente hospitaleiro; os amigos chineses que fizemos no caminho são generosos e dispostos a nos ajudar, alguns fazem até mímica, outros nos oferecem a melhor comida, nos levam pra passear nos lugares antigos e não nos deixam pagar nada; e concordam que a China está crescendo rápido demais. Porém não há questionamento quanto a (in)sustentabilidade desse crescimento nem quanto às medidas do governo; há uma aparência de orgulho do "progresso", do poder de compra, em troca daquela sabedoria milenar.

Capitalismo, ou comunismo?

Tanto faz, porque pra lá de leste já virou oeste.


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