segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Modos e modas na China

Quando se viaja sem estar disposto a uma compreensão dos códigos de comportamento e atitudes locais, corre-se o risco de deixar de ser turista-viajante pra se tornar um mero juiz dos valores do lugar visitado. Por isso, a proposta aqui é ilustrar um pouco os costumes chineses observados, evitando simplesmente julgá-los com argumentos ou comentários irrefutáveis, tais como: "que absurdo!" ou "como pode?"

Pois bem.

Chegando à Beijing (ou Pequim, em português), o primeiro som que escuto é de uma escarrada, daquelas de dar vontade de olhar pra cara do autor. No entanto, ninguém olha; e quem sou eu para fazê-lo?

Na China, é costume cuspir (escarrar) em qualquer lugar ou circunstância. Um detalhe importante: em público, é um costume masculino; as mulheres só cospem no banheiro.

Como dito no post, “China – primeira impressão”, o ar das grandes cidades tem um tom nublado e uma umidade visível a olho nu. Por isso, em poucas semanas, compreendi pessoalmente o hábito de cuspir (escarrar, no banheiro) o muco provocado por aquela umidade.

Ao sair do aeroporto, de motorista e intérprete a tiracolo, que a minha amiga chinesa havia enviado para me buscar, foi possível observar a acrobacia chinesa, já no trânsito.

Centenas de motociclistas, tuk-tuks, ciclistas e motoristas interceptam uns aos outros, num balé periculoso.

Os sinais de trânsito parecem uma espécie de enfeites modernos. Dizem que em alguns lugares se respeitam as regras de trânsito. Por via das dúvidas, minha amiga e eu grudávamos nos pedestres à nossa frente e passo-a-passo, dançávamos nas avenidas, desviando dos que se locomoviam em parafernálias.

Nos transportes públicos e nas filas, que vença o mais rápido. Perguntando a uns amigos se poderíamos alertar o intruso de que havia fila, eles nos responderam que chamar atenção não é costume local, e que seria uma forma de “lose face”; “você é autoridade pra chamar atenção de alguém? Não. Então, fique na sua, ou aja como os demais.” Pois não deu outra. Estava numa fila do guichê no aeroporto, entre uma viagem e outra, quando duas jovens furaram a minha frente; eu respirei fundo e repeti o om do yoga, observando a naturalidade de todos em minha volta. Quando menos esperei o guichê do lado abriu, e eu, com a sutileza e rapidez de uma concubina da dinastia Ming, pulei a faixa que separava as filas e, delicadamente, entreguei o meu passaporte ao atendente, que me recebeu com um “han hao” (muito bem); aparentemente, os demais me olharam com reverência.

Nos restaurantes tradicionais e elegantes, há salas privadas para os clientes. Fomos conduzidas pela minha amiga chinesa a uma dessas salas, com ar condicionado. Lá fomos agraciadas com mais de vinte pratos deliciosos, numa mesa giratória, regados com uma bebida local, que continha 40% de álcool. Surpreendentemente, nessa sala fechada com ar condicionado, o marido da minha amiga e o amigo dele fumavam, sem qualquer cerimônia.

Nos dias seguintes, descobrimos que é comum fumar em qualquer lugar, inclusive no elevador. Vale enfatizar que nenhuma mulher chinesa foi vista fumando, no período que estive por lá. Outro detalhe referente ao assunto diz respeito à existência de lojas que só vendem cigarros; e esses variam assustadoramente de preços. Perguntando sobre o assunto a um amigo, ele respondeu que os cigarros mais caros (15 dólares) são feitos para os oficiais do partidão; o proletariado fuma os mais baratinhos, como em qualquer país capitalista; ou comunista, pelo visto. Ainda a respeito do partidão, os carros oficiais têm uma buzina diferente, que soa como "ron", que quer dizer: saiam da frente que os membros da comissão estão na passarela; e em sintonia, todos abriam caminho.

Em meio às nossas andanças, em praças, museus, palácios e jardins, observamos que os meninos, de até 2 anos de idade, usam um calção aberto no fundo, permitindo que as necessidades sejam realizadas sem o incômodo de ter que tirar a vestimenta. A partir daí, nos demos conta de que papel higiênico e fralda descartável devem ser artigos de luxo, pois era comum chegar ao banheiro e não ter papel. Cada usuária sacava da bolsa um papel para o seu próprio uso. Considerando a população de 1,4 bilhão de habitantes da China, evitar o desperdício de papel/fralda deve ser visto como uma atitude ecologicamente louvável.

Por falar em banheiro, o estilo de vaso é aquele cravado no piso. Ficava impressionada de ver a desenvoltura daquelas senhoras de se agacharem até o chão.

“Como vi?”

Viajando pelo interior, as cabines dos banheiros públicos não têm porta, e a paredinha, que separa as tais cabines, vai só até a cintura. De modo que não precisa ser curiosa pra ver a sua vizinha; é automático e natural.

No interior, os estrangeiros exercem um misto de fascínio e estranhamento. As crianças são as primeiras a se manifestarem; conversam “hello”, abraçam e brincam, como se a estrangeira fosse uma boneca. Os marmanjos tiram fotos discretamente. As adolescentes pedem permissão pra fotografarem.

“Do you mind to take a picture with me?”

Depois que essa cena se repetiu pela terceira vez, eu já estava me sentido como uma celebridade; e contei a uns amigos chineses, que me explicaram que o estrangeiro é visto como um alien, palavra essa usada para aqueles que não são chineses.

“Alien, eu?”

“Sim, alien; ou uma espécie de bibelô.”

Por isso, no interior, as crianças me seguiam e depois traziam as avós pra me conhecerem.

Por falar em avós, esses ainda praticam os hábitos antigos. Nos parques de bambus e jardins, que ainda são acessíveis gratuitamente, podemos ver aqueles senhores e senhoras praticando tai chi chuan, doin, qigong, danças, kung fu e lutas de espadas. Entre bambus, encontrei a China de hábitos milenares, escondida nos sábios e discretos mais velhos.

Quanto aos jovens, de acordo com a minha pesquisa boca miúda, a moda atual é comprar. E quando lhes perguntava sobre os hábitos acima, eles respondiam:

“Isso é coisa dos nossos avós.”

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