quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O menino e o éden

Minha mãe acha que sou calado, tímido, retraído... e outras palavras que sequer entendo. Por isso, ela me levou para conversar com um doutor.

Eu não conversei; só respondi as perguntas dele. O doutor garantiu à minha mãe que tenho cura, e me propôs um jogo; era pra desenhar o que quisesse.

Desenhei castelos, bosques e um lago onde escondi os meus segredos.

O doutor gostou e se pôs a falar do éden, que segundo ele é o nome culto de paraíso; contou do amor, dos sonhos, de perdas e dores.

Eu não entendi quase nada, porque de dor só conheço aquelas consequentes de quedas de bicicleta; e do amor, só posso dizer que deve ser aquela douçura que sinto quando brinco com o meu avô, ou quando converso com a Mímel, a minha melhor amiga.

A Mímel é uma cobra que vivia escondida no nosso quintal. Ela era tão calada quanto eu, mas nos entendíamos muito bem.

Mímel também era incompreendida; ela disse que onde chegava, antes que fizesse qualquer coisa, queriam matá-la; apoderavam-se de pau e pedra, e, como se estivessem num ringue de luta livre, começavam o apedrejamento. Ela disse que tinha gente que até se regozijava com essa cena; essas pessoas nem imaginam como as cobras são necessárias para que haja a colheita, pois elas comem os ratos que podem devorar uma plantação inteira, da noite para o dia.

Mímel não esperava nada de mim. Quando estávamos juntos, existiamos, sem a expectativa dos adultos. Parecia o éden do doutor.

“Será que matam as cobras por que elas não falam?” Perguntei ao doutor.

Ele disse que as cobras são sábias, desde o primeiro éden.

Eu, que nunca fui de falar muito, contei ao doutor onde a Mímel vivia. Estranhamente, no dia seguinte, ela não estava mais lá; como se nunca tivesse existido.

O doutor acha que eu sonhei tudo aquilo. Para agradar, lhe dei razão.

Depois disso, brotou dentro de mim uma coisa tão ruim que pensei que fosse apodrecer; ardia mais do que a minha pior queda de bicicleta. Pra me distrair, eu me lembro da Mímel, contando as histórias de perseguições que lhe ocorreram e que passaram.

Quando eu crescer, vou explicar a minha mãe que ser calado não é doença, é só um modo de se expressar; e quando eu me reencontrar com a Mímel no éden, ou num ringue de luta livre, vou lhe dizer que nada disso dura tanto.


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