sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Certezas e o valor do criminoso

Confesso que sempre acreditei que quem tivesse razão, estaria certo;
que quem fosse bom, não praticaria o mau; quem tivesse certeza, estaria seguro; quem fosse doutor, saberia mais que os outros; que quem fosse apaixonado por uma causa justa, jamais seria seduzido pelo poder; que só existia o que pudesse ser comprovado pela ciência; que a justiça era um remédio genuíno para os culpados...

De verdade, o que encobrem essas certezas? 

O que seria a incólume certeza, senão um disfarce da insegurança? O que seria a razão, senão uma possível incapacidade de ver sob outro ponto de vista? O que seria essa necessidade de comprovação científica, senão o medo do invisível?

Quem não gosta de garantias? Quem não prefere acusar a ser acusado? Quem gosta de ser o fracassado? Se não houvesse um culpado, como nos destacaríamos, ou nos justificaríamos? Talvez seja para garantir, pelo menos a aparência dessas certezas, que os erros e os atos criminosos provoquem intensamente a manifestação pública. 


"Olhem como ele agiu? Que miserável! Tenho certeza que já vem agindo dessa forma há tempos. Inadmissível. Deve ser punido com rigor!" Dizemos em alto e bom som, porque parecemos bons e melhores.

Aquele que cometeu o erro talvez nos legitime como melhores cidadãos, embora não necessariamente sejamos, só tenhamos a vantagem de não ter sido pego odiando em flagrante, desejando o mal, desdenhando alguém, ou torcendo para que tudo acabe, ou pelo simples fatos de nossos crimes não estarem previstos na lei. 

Talvez seja por esses disfarces que o crime nos compense.

           

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Show de Truman, oder?

A quem não se lembra, Show de Truman foi um filme estrelado pelo Jim Carrey, no qual ele vivia numa cidade elaborada, onde tudo era meticulosamente calculado, como num comercial, sendo ele a estrela do show.

Atualmente estou vivendo num lugar onde (quase) tudo parece tão programado e previsível que me sinto numa cidade feita para um filme. Por enquanto, sou figurante.

Bochum/Deutschland.

Se você nunca ouviu falar dessa cidade, fique tranquila, eu também não fazia a mais tenra ideia da sua existência, até o meu namorado me dizer que recebeu uma proposta de trabalho para essas bandas. Olhando para o mapa da Alemanha, ela fica próxima à Düsseldorf

Quando falo que estou morando em Bochum reproduzo quase a mesma sensação que sinto quando digo que sou do Piauí. Sou quase um mascote entre os meus amigos do Rio: "você é a única pessoa que eu conheço do Piauí", ou "nunca conheci ninguém do Piauí", ou ainda "essa é minha amiga "piauense" ao invés de piauiense. Aos poucos, esse dado ao meu respeito tornou-se uma moeda de troca: "traga aquela sua amiga do Piauí que quero apresentar para uns amigos de fora", dizem os conhecidos dos amigos. Não compreendo que tanta graça tem nesse fato, porém sei que ele foi responsável por despertar a curiosidade das pessoas. 

"Eu tenho uma amiga do Piauí." 

"Do Pi-au-í?"

"Também fiz essa cara quando ela me falou que era de lá."

Conseguiu captar um pouco o que provoco quando digo que estou morando em Bochum? 

Não estou falando dos amigos brasileiros... não ainda; estou falando dos amigos alemães, que tão pouco conhecem a região onde estou; isso sem falar na surpresa para as pessoas da cidade. Em algumas ocasiões, sou tratada como uma espécie de evento: "amanhã você vem? Vou avisar a minha esposa", diz o dono de um café. "Domingo farei um almoço, às 16 hs, você será bem-vinda", alguém complementa. Ao que parece, sou um imprevisto; não sei como me tratarão quando eu me tornar um habitué.

Apesar dessa surpreendente hospitalidade, ainda não tenho amigos aqui, não porque o povo alemão seja reservado mas porque o idioma ainda é o maior entrave. Embora eu o tenha estudado por alguns anos, aprender um idioma e não praticá-lo implica desconforto, pois você sabe ler e escrever, mas não sabe se expressar, o que é lastimável.

Nesse momento, o idioma inglês é o meu rival, pois ao começar a falar em alemão, o interlocutor, no intuito de saciar a sua curiosidade e facilitar a comunicação, altera o idioma para língua inglesa. E isso me causa uma frustração.

Mas vai passar. 

Dizem por aí que todo mundo precisa de objetivo na vida... acho que aprender alemão vai me render trabalho por muito tempo. Deveria ser prescrito como anti-depressivo.

"Tudo que o senhor precisa é de um objetivo de longo prazo. Vá aprender alemão."

E o sujeito teria ocupação para a oficina mental. E quando voltasse ao médico, ele contaria como anda ocupado em memorizar o gênero das coisas: o mesa, o cadeira, a nariz, e por aí vai. E o médico poderia dizer que se trata de homeopatia.

Also (que se pronuncia azô) tem função semelhante ao nosso então. Não quer dizer necessariamente que você irá concluir, mas que vai começar a dizer algo. Quando citamos o nome de algum país, logo vem à nossa mente uma saraivada de conclusões sobre as pessoas e o lugar. Pelo menos, isso acontece comigo.

Also (azô), eu sempre achei que, na Alemanha, a salsicha fosse a principal referência alimentar juntamente com a batata. Porém ando me surpreendendo com a diversidade de pães "das Brot" (o pão não tem gênero, é neutro). Aqui há tanta padaria quanto no Rio de Janeiro tem farmácia.

Outro ponto, que me pegou desprevenida, foi a existência de inúmeras placas de informação. Elas não são intuitivas e eu desconfio que estejam coibindo alguma atitude. Por isso, tenho tido a sensação de que estou fazendo algo errado constantemente. Quando me falam algo que eu não entendo, pergunto: ist das verboten? Isso é proibido? Em alemão há várias formas de dizer proibido, assim como em português/brasileiro temos várias formas de dizer malemolência, jogo de cintura, jeitinho etc.

Conversando com um amigo sobre o tema, ele disse: aqui na Alemanha, a gente primeiro acha o culpado, depois resolve o problema. Tive que ter muito jogo de cintura pra explicar que, no Brasil, às vezes, a gente gosta do culpado, ou nós somos os culpados; por isso, a gente resolve primeiro, depois dá um jeito no resto que não ficar resolvido.

"Das ist ganz komisch." (Isso é muito estranho). Ele respondeu. 

Eu concordei... porque ainda não sei discordar, em alemão.

A região onde eu moro chama-se Ruhrgebiet. É uma área que ficou conhecida pelo trabalho nas minas. Mas ainda não descobri o que tem aqui que instiga os meus amigos alemães de outras áreas a perguntarem o que diabos estou fazendo aqui.

"E na vida, a gente sabe alguma coisa? Isso aqui pode parecer, mas não é o Show de Truman." 



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O baile particular

Quando me pergunto por que passei tanto tempo sem publicar os textos também não me convenço. Revivo cada cenário, analiso, volto ao início, remonto e tendo a crer que não consegui manter a disciplina, elemento chave para quem pretende fazer dessa brincadeira um exercício diário.



Ao comentar com um amigo sobre o assunto, ele carinhosamente me redimiu, elegendo um culpado: o Jaque.



"Já que você não estava fazendo nada, teve que ajudar... a resolver as coisas."



De fato, eu me ocupei de inúmeras tarefas e alguns trabalhos nos últimos meses. No entanto, Jaque não passou de um corajoso bode expiatório. 


Onde estão esses textos? Num caderno, caligrafados em garranchos registrados somente nas alvoradas, para evitar que alguém me oferecesse um a fazer real. 

Quanto ao conteúdo, é aconselhável admitir que mesmo sóbria, decifrá-los pode originar uma nova profissão. 



"A que você se dedica?"



"A decifrar garranchos."



"Trabalho para poucos. Sobra tempo para alguma outra atividade?"



"Resolvo coisas... mas é só uma fase, ou melhor, um bico." 

Fantasias e anedotas à parte... o que me distanciou da disciplina de escritura foi uma enxurrada de pensamentos derrotistas involuntários. Descartes que me perdoe... mas "penso, logo existo" é o bugalho; "penso logo adoeço" estava mais próximo da realidade elaborada naqueles dias de sertão clandestino. 

Após essas supostas férias que tive de mim para me dedicar aos outros, pretendo desenferrujar a munheca; e conto com a sua ajuda. Você poderá ser um dos meus personagens. Imagine: você, um dia herói, ou um business man de sucesso, ou aventureiro, ou organizador de um bingo dançante; e no outro,  um louco, ou um maníaco? 

Por isso, posicione a coluna de forma elegante,  coloque os melhores óculos para visualizar a discreta beleza do dia e a dançar com os nossos fantasmas e personagens, porque fomos convidados ao baile das palavras, que podem  tonar-se árvores, bichos, pessoas dos mais variados guetos, e até o infinito de todas as coisas. 

E a quem interessar possa, o nosso baile será boca livre; e os amigos são bem-vindos também, pois "Escrever é desvendar o mundo." (Simone de Beauvoir)